The Pillow Book - O Livro de Cabeceira
Peter Greenaway – 1996
Falar sobre este filme de Greenaway é bastante difícil, por se tratar de um dos de Greenaway, que tem uma riqueza extrema. Eu acredito que não daria pra fazê-lo assim de uma só vez. Primeiro, por ser de uma temática complexa, envolvendo referências filosóficas, literárias, pictóricas e com tantas leituras psicanalíticas. Segundo, porque existem as Poesias, escritas no corpo, e que eu gostaria de colocá-las aqui em separado, porque quando as li, fora do contexto do filme, senti a grandeza real deste cineasta e do sentido que deu à obra. Estas Poesias foram escritas por ele para serem caligrafadas em 13 livros sobre a superfície de 13 Corpos diferentes (se você não viu o filme, mais adiante poderá entender o que estou dizendo agora). Como a escrita dos corpos não pode ser lida em detalhe no próprio filme, e da impossibilidade dos espectadores ocidentais na tradução da língua japonesa, achei de suma importância colocá-los em separado para um entendimento da importância da proposta desta formidável obra.
N.B.: Este não é um filme japonês, mas sim uma expressão de um ocidental através das referências orientais.
O filme é falado e escrito em 3 idiomas principais : inglês, japonês (kanji, hiragana, katakana) e cantonês. Há também o francês (com bastante destaque à música). Há também o mandarim, holandês, latim, ídiche, italiano, alemão e vietnamita.
Greenaway tem sua formação inicial como Pintor, daí percebi as várias referências de pintores que teriam inspirado cenas : Gauguin, Degas, Lautrec e outros.
Parte 1 : Estória do filme
É a estória de uma jovem mulher japonesa com início na infância, transcorrendo a ação durante as 3 últimas décadas do século XX. Chama-se Nagiko Kiohara. Nos seus aniversários de menina realizava-se 2 rituais. O seu pai (escritor e calígrafo), escreve um texto em seu rosto e nuca com tinta colorida um texto, que se chama o Livro da Juventude e sua tia lê para ela um clássico da literatura japonesa "O Livro de Cabeceira de Sei Shonagon (Makura no Soshi)1.
O prenome de Nagiko é o mesmo da escritora que viveu quase mil anos antes e por isto sua tia lhe dá a idéia de escrever um diário no mesmo estilo. Seu pai é escritor e calígrafo, escreve histórias infantis, as quais se resolvem mistérios por meio da matemática. Mas para publicar seus trabalhos, ele se submete às humilhações de um editor, pois precisa sustentar sua família. Nagiko, aos 4 anos de idade vê pela primeira vez seu pai sendo sodomizado pelo editor. Ato este, que se repete a cada aniversário seu como uma sombra aos rituais familiares.
Quando Nagiko completa seus 18 anos, e decide começar escrever seu diário, seu pai deixa de pintar-lhe o rosto e é convencida a casar-se com o sobrinho do editor, um arqueiro fanático. Ela tem seu casamento com ele, com grande pompa. Mas ele recusa-se a reproduzir o gesto paterno de escrever-lhe a frase no rosto em seu aniversário e posteriormente a ridiculariza por suas ambições literárias. Ela dedica-se a seu diário, numa obsessiva identificação com Sei Shonogan. Quando o conflito entre ambos se exacerba, ele queima seu diário em meio a exibições como arqueiro, atirando flechas no alvo. Ela, em resposta, incendeia a casa e foge para Hong Kong, lugar onde passa a trabalhar em funções humildes antes de se tornar uma estilista de moda.
Sozinha, ela constata que não seria possível escrever em si mesma. Passa a procurar escritores e calígrafos para escreverem sobre seu corpo os mais variados ideogramas, pagamento seus serviços com sexo. Numa ocasião, com o corpo todo coberto de ideogramas, se deixa fotografar por um profissional que se apaixona por ela, sem reciprocidade. Em sua contínua busca, encontra Jerome, num café. Ele é poliglota, escritor e tradutor inglês, que na verdade acaba por quebrar o padrão, sugerindo que ela fizesse a escrita. Ela deveria tornar-se o pincel, não mais o papel. Nagiko recusa-se a princípio, mas logo fica tentada a experimentar escrever em seu próprio corpo.
Posteriormente, em sua casa, na banheira, meditativa, escreve no espelho embaçado: "Trate-me como a página de um livro". E pensa: "Agora serei também o pincel e não mais só o papel".
Porém, seus brios permanecem e ela não desiste. Resta-lhe então seduzir o amante do editor. Jerome aceita e dispõe-se a servir como mensageiro dela, levando para o editor o texto em seu corpo que Nagiko escrevera. O editor fica encantado com o corpo de Jerome e com o texto de Nagiko. Manda seus servidores copiarem o texto e em seguida vai para a cama com Jérôme.
Jérome não volta para Nagiko e esta sente ciúmes, o que a leva procurar outros homens para escrever em seus corpos e mandar ao editor. Fez assim 5 novos livros-corpos, o que provoca ciúmes de Jérôme. Ele por sua vez, foi se aconselhar com o fotógrafo Hoki, que sugere forjar um suicídio como em Romeu e Julieta. Para tanto, dá a Jérôme comprimidos a serem ingeridos.
Não dá para saber se foi ciúmes ou por acidente, o fotógrafo provoca seu envenenamento.
1 - Sei Shonogan (c.967 – c.1017) – dama de companhia da imperatriz Sadako. 'Sei' é o seu nome de família e 'Shonagon' significa pequeno conselheiro. Autora do Pillow Book (Makura no Soshi), considerada ma das maiores obras da história da literatura japonesa. Alguns excertos da obra, encontram-se no filme :
#29 – Coisas Elegantes