24/06/2008

FILMES E PSICANÁLISE...cont...

NÓS QUE AQUI ESTAMOS, POR VÓS ESPERAMOS
Marcelo Masagão, 1999



Este documentário é especialmente tocante, no meu parecer, porque conseguiu com tão pouco (em termos financeiros) fazer um tanto enorme. O cineasta, Marcelo Masagão, sua estréia no cinema, com este filme conseguiu empreender à esta obra um valor especial, criterioso, sentimental, filosófico e atingiu o cerne daquilo que chamamos de História do nosso tempo. A príncipio, o título foi que me instigou a vê-lo, queria saber quem era Nós, estamos onde, Vós quem? O tema principal tratado neste documentário é a Banalização da Morte, e por correspondência a Banalização da Vida, tão presente no século XX (e que perdura nos dias de hoje), fazendo uma retrospectiva e contando esta história com recortes biográficos de grandes e pequenas personagens. Geralmente a História é vista como a história dos grandes homens que fizeram esta história e aqui justamente a idéia foi mostrar que isto não é realidade, pois atrás destes homens houveram homens e mulheres, que estiveram de um lado ou de outro, fazendo a história com seus sonhos, seus pequenos defeitos, suas pequenas indagações etc.

O Historiador é o Rei
Freud, a Rainha

Pequenas Histórias
Grandes Personagens

Pequenos Personagens
Grandes Histórias

Memória do breve Século XX
Quem conta esta História, são as imagens em movimento, as quais usadas, feito uma leitura cinematográfica da obra "Era dos Extremos" de Eric Hobsbawm, historiador britânico, conjuntamente com trechos de documentários e de obras do clássico do cinema. Se eu não tivesse visto a Trilogia Qatsi de Godfrey Reggio (pode-se dizer que o inventor de um estilo que cria imagens poéticas de grande impacto emocional), Koyaanisqatsi-1983, Powaqqatsi-1988 e Naqoyqatsi-2002, eu diria que este documentário é diferente. Mas existe uma semelhança na forma e utilização de recursos. O uso de imagens que contam, por si mesmas, e que por objetivo único, e levam a uma profunda reflexão; mas não só elas, também a música participa como uma coadjuvante de peso, pois trás mais próxima das imagens também a emoção do relato visual, cujo qual, o cineasta optou por não utilizar a locução, que tornaria, ao seu ver, as imagens detalhes apenas.

Mas percebo uma diferença, a utilização da Palavra escrita, em que momentos se fazem precisar dela, não como para explicar uma cena, mas fazendo uso de uma maneira mais plural, traduzindo a imagem numa linguagem psicanalítica.

Num cemitério qualquer, no interior de São Paulo - onde inicia o filme. Como se o expectador estivesse caminhando pelas vielas entre os túmulos e ali os túmulos representam os vários mortos ali e para além de lá. Mas como eu poderia relatar o restante, acho que lançando mão de uma frase de Jung, sobre Realidade e Imaginação : "Todo processo psíquico consiste numa imagem e num ser que está imaginando, senão nenhuma consciência poderia existir e o evento não teria fenomenalidade. Também a imaginação é um processo psíquico, e por isso é completamente fora de propósito perguntar-se se a iluminação (o satori, por exemplo) é ‘real’ ou ‘imaginária’."

Como as várias pessoas viveram e realizaram esta História, as Guerras, a Morte, As Conquistas, Deus (onde está?)

O documentário, ou seja, a passagem das imagens não se prende a uma linha cronológica.

Paris, meio de 1912, Nijinski - Théâtre du Châtelet

No dia seguinte, o balé já não era clássico

Pessoas, muitas, multidão delas transitando na cidade e carros, a cidade não mais cheirava à cavalo

Máquinas produzindo, operários trabalhando

Pelo túnel o metrô, pelo fio a fala

Garotas trocavam o corpete pela máquina de escrever

Os quadros já eram Picasso

Os sonhos já eram interpretados (Freud)

Einstein, a teoria da relatividade

Câmaras Kodak registravam os instantâneos das 1ªs gerações, que conviveram em seu cotidiano com uma produção em série de idéias, matemática abstrata, maquinários complexos, refinadas bombas

A construção da Torre Eilfel

A explosão da Challenger

A construção do muro de Berlin

E sua demolição

O "crash" da Bolsa de 1929

As fábricas de bombas

As explosões

As mutilações

A solidão na guerra

Os didadores

Suas imagens distorcidas, que se movem como uma dança, na qual a música é tudo nesta hora. Sensacional! O sentido que deu nisto foi a palavra "Paranóia" e seu significado (manifestação de desconfiança, conceito exagerado de si mesmo, desenvolvimento progressivo de idéias de reivindicação e perseguição e grandeza). O que me faz perguntar, onde nasce a percepção de cada um sobre si mesmo?

A conquista do voto pelas sufragistas

O encurtamento das roupas femininas

As feministas e a queiam dos sutiãs

A liberação sexual

A luz Elétrica

O rádio

A aspirina

A guerra

"Em uma guerra não se matam milhaes de pessoas. Mata-se alguém que adora espaguete, outro que é gay, outro que tem uma namorada. Uma acumulação de pequenas memórias..."
-Cristian Boltanski-
Deus onde está?

Uma criança, numa esquina de uma rua qualquer numa cidade na América do Sul, procurando Deus.

O final, no cemitério, no pórtico da entrada, acima do portão cunhada a frase "Nós que aqui estamos, por vós esperamos".

Realmente, este filme me impressionou muito, não é um documentário pessimista, não mesmo, é um poema visual em imagens em branco e preto, que nos transporta da dor, da vergonha do ser humano, ao encanto por vezes daquilo que nos faz ser humanos, o amor e também o ódio, os sorrisos e também as lágrimas.

Marcelo Masagão : Pesquisa, Edição, Produção, Roteiro e Direção - sua estréia
Wim Mertens : Música, efeitos sonoros e silêncio

20/06/2008

CINEMA MUDO

O HOMEM DAS NOVIDADES
The Cameraman, 1928
Buster Keaton

Mais uma peça rara do cinema mudo e sem sombra de dúvida, na minha opinião, um dos melhores do Buster Keaton - o palhaço que não ri. Pode parecer estranho, mas é um filme atual,
pois retrata a imprensa e seu "modus-operandi", que já naquela época os repórteres de imagem faziam tudo para ter um furo espetacular de imagem, cuja crítica faz o filme aliado a todas as comuns acrobacias de Keaton. Este filme é uma graça, prefiro muito mais a ele que ao Charles Chaplin [talvez porque ele não sorri e seu olhar é sempre triste], algo que as situações que levariam a algo engraçado e todas as vezes que vejo sinto uma espécie de pesar; algo que o cinema mudo provoca em mim.




CINEMA MUDO

METRÓPOLIS
Metropolis

Fritz Lang, 1927




Um dos meus filmes preferidos, considerado o maior filme de ficção de todos os tempos e sendo uma grande referência para os filmes do gênero, um dos grandes expoentes do expressionismo alemão.

Ambientado no século XXI, no ano de 2026 conta a estória de uma fantástica megalópole, onde operários vivem no subsolo, mantendo maquinários ativos para o bom funcionamento da cidade. Vivem como escravos, não podendo subir à superfície, onde lá vive a casta dominante e capitalista.


Um filme, dos mais caros realizados para a época, nos envolve numa reflexão sobre o profundo conflito entre razão e sentimento humanos, que impressionou muito a Hitller inclusive, que solicitou-o para realizar filmes para o partido nazista. Mas Lang foi para Paris, onde lá produziu filmes de conteúdo antinazista.



****






























Curiosidades sobre as várias versões :

A versão original lançada em 1927, com cerca de duas horas e meia não existe mais.

Para o lançamento nos EUA, ainda na década de 20, várias cenas foram cortadas não por censura, mas pelo filme ser considerado longo demais. A estória ficou difícil de entender e muitas cenas desapareceram para sempre.

A versão restaurada por Giorgio Moroder, lançada em 1984, com 80 minutos, colorida por computador, com efeitos sonoros e com a inserção de uma trilha sonora mais moderna;

A versão restaurada lançada em 1995 pelo Filmmuseum Munich, em preto-e-branco com trilha sonora baseada na trilha original;

Uma versão de 139 minutos, que no Brasil foi lançada pela Continental Home Video. É uma das versões mais longas e na realidade a mais incompleta de todas. O filme é simplesmente exibido em velocidade muito lenta. Faltam inúmeras cenas, a qualidade das imagens é péssima e a trilha sonora nada tem a ver com o filme.

A versão mais completa de todas, restaurada digitalmente, lançada em 2003 pela Kino International.

Veja o site :

www.kino.com/metropolis

FILMES E PSICANÁLISE...cont...

MR. JONES
Mr. Jones
Mike Figgis, 1993





















Eu gostaria de comentar sobre este filme, mas antes quero registrar pra mim o porque lembrei dele.

MAS VEJA

Obs.: Este parágrafo é uma referência minha pra mim mesma, são associações apenas, que não devem ser interessantes a quem lê, mas fica mais fácil pra mim deixá-las aqui. Se quiser pular para o filme em si, siga no parágrafo seguinte...ok!




Não por ser um filme extraordinário, não, mas pelo tema em si e do porque cheguei hoje até ele. Ouvindo uma música "Me and Mr. Jones" da Amy Winehouse, foi o gatilho inicial, que me fez prestar atenção em quem é o Mr. Jones da música. Parece ser alguém atraente, que deve ter uma personalidade forte e que irrita, mas é realmente amado, apesar de ser uma relação complicada.Da música fui para o filme, que também Mr. Jones é alguém encantador, com um problema chamado 'distúrbio-maníaco-depressivo-bipolar'. Mas até aí fiquei mais presa ao nome do que à estória do filme e fiquei imaginando quanto este nome parece ter um significado que vai além do próprio nome. Já ouvi e vi em alguns lugares, mas continuando as co-relações Mr. Jones do filme me levou a outra música, "Mr. Jones and me" do Counting Crows, cuja letra também fala a respeito do Mr. Jones . Mas ele, desta vez é amigo de alguém que está perdido em todos os sentidos em Amsterdã, mas com forte desejo de ser famoso. Mr. Jones é uma pessoa bacana, alegre e amigo dele, quer que ele seja alguém famoso, mas de certa forma também quer se encontrar. Pulei para um texto que li recentemente sobre a análise do contexto na companhia de uma xícara de chá, que da mesma pessoa me recordei de uma piada sobre o transtorno bipolar (igual ao do Mr. Jones do filme), que me fez rir muito. Do chá fui para outro chá com o nome da marca Mr. Jones, que existe em Amsterdã apenas, até aonde sei, e onde há também loja da marca de relógios Mr. Jones, lindos por sinal. O nome se tornou um emblema pra mim.

O Filme é baseado numa estória de Eric Roth, [ pra quem não conhece é roteirista de vários filmes, dentre eles : Aeroporto 79, Forest Gump, O Mensageiro, Ali, O bom pastor...e muitos outros] que conta sobre Mr. Jones (Richard Gere), encantador, hiper ativo, muito intuitivo, quando está "high" é eloquente, extremamente eufórico. Como é muito inteligente, sabe se colocar muito bem e conquista as pessoas com as quais vai se relacionando. Ele entra numa construção e consegue convencer ao engenheiro da obra que o admitisse para trabalhar como marceneiro. Estando lá, faz amizade com um dos operários e não consegue parar de falar e no ápice de sua euforia, sobe no telhado, brincando e colocando-se em risco. No meio desta crise, foi levado ao hospital psiquiátrico, onde lá conhece sua futura médica psiquiatra, Dra. Elizabeth Libbie Bowen (Lena Olin), que o diagnostica como um psicótico maníaco-depressivo-bipolar, sendo então medicado na emergência.

Inicia-se então esta relação entre médica-paciente, difícil, pois trata-se de alguém intelectualizado, extremamente inteligente e que acredita que não é doente, mas que aquilo faz parte de seu ser. Entre comportamentos cheio de vida e eufóricos, ele não está no paraíso no entanto. Vai de um extremo ao outro muito rápido, com ataques de fúria, comportamentos altamente egocêntricos e megalomania atrapalham sua interatividade. Os maiores problemas no entando surgem com a depressão, a falta de controle da tristeza, que é debilitante e dolorosa e pode levar ao suicídio. Mas o filme mostra o outro lado, da médica, que acaba se envolvendo emocionalmente com seu paciente e mostra-nos a questão ética como fica, mas envereda para o romance entre eles, o que não é meu ponto de referência aqui.

A questão do problema dele é algo que se pode controlar. Mas ela aponta 2 problemas na verdade : um é o controle químico do cérebro, o outro é a dor. Para este, o esforço para se chegar a estes sentimentos é muito mais difícil. É necessário um trabalho de terapia. O tratamento em geral não é para cura futura, mas apenas controle. É como um diabetes ou uma pressão alta.

O que fica na reflexão deste filme é até que ponto somos determinados pela nossa neuroquímica.

Sobre a identidade, como os diferentes estados de ânimo que enfrentamos são determinados por desequilíbrios químicos do cérebro. A aceitação da doença pelo doente, quanto maior for sua intelectualidade, tanto mais complicado será esta aceitação?

18/06/2008

FILMES E PSICANÁLISE...cont...

PRIMAVERA, VERÃO, OUTONO, INVERNO...E PRIMAVERA

Bom Yeoreum Gaeul Gyeoul Geurigo Bom, 2003
Ki-dukKim

O título deste filme já por si mesmo nos mostra, que as estações do tempo são etapas entre nascimento e morte, e que o fim não é o fim... nunca há um. O que existe é um retorno, e aqui no caso, ao início. (à Primavera, onde a vida começa).



O filme apresenta-nos a vida ordenada e fortemente ritualizada de um monge, em que o ciclo da vida é representado através de um tempo circular, onde o papel do indivíduo é apenas o de ser o guardião da tradição, para quem se entrega à educação de uma criança. A criança torna-se um "aprendiz" do mestre. No meio do lago, a casa solitária, onde passam a conviver, uma imagem de renúncia ao meio social. Mas pode ser culpa minha interpretar estas palavras com uma conotação pejorativa, quanto a "renúncia" e ao "guardião da tradição". É inevitável que não nos livremos do nosso "reference point" que é sociedade ocidental de matriz judaico-cristã e também da Antiguidade.

A "renúncia" é de fato renúncia - porque é renunciar a "algo". Tal como nós [materialistas], também levamos uma vida de "renúncia", a uma vida "ascética". Sempre que se escolhe, renuncia-se a algo. Mas isto não quer dizer que eu queira "relativizar" esta questão importante. Porque o budismo, se funda muito no saber jejuar, saber esperar, saber pensar (de que nos fala o "Siddharta" de Herman Hesse) é por natureza um sistema de "rejeição" ao exterior e às suas "tentações", porque só atingindo certa autonomia se poderia ascender a um grau de consciência superior, condição necessária ao estado supremo do "nirvana”.
Quando dito aqui "apenas guardião à tradição", aqui "tradição" - embora formalmente correto - pode pecar por mais uma vez a linguagem ocidental estar impregnada de interpretações simplistas. A "tradição" aqui é tudo: é a vida, é a morte, são os valores a transmitir, é "tudo" o que possamos referir.

O filme começa com uma (das muitas que se terão) visão sobre o lago, que acertadamente marca “certezas, segurança e resignação” (mais uma vez, em que “resignação” não adquire qualquer teor pejorativo). Noto também que a casa flutuante, é uma casa “solta”, em que as referências moram em quem nela habita, e tem todos os simbolismos, que podemos aludir .

Mas que “tradição” é essa então?

Na “Primavera”, na infância, vemos a criança sem qualquer surpresa para o seu mestre (eu evito propositadamente usar a palavra “aprendiz”, por me parecer redutora, ainda que me pareça adequado usar a palavra “mestre”) torturar animais, com uma crueldade que lhe traz felicidade momentânea. O “mestre” prende-lhe uma pedra às costas e diz-lhe que vá libertar os animais que prendeu. A primeira lição é esta: “Respeitar a vida, respeitar todos os seres vivos. (Simples, claro, dirão alguns). Ao que se acrescentam duas coisas: i) a noção do “Karma” – que as nossas ações produzirão efeitos no futuro; e ii) a noção de “Dharma” – o caminho reto, a lei moral que concerne a cada um. E que em conjunto sugerem que ações menos corretas (como as da criança) se abatam sobre ela no futuro. O “Verão” – quente – é o despontar da “paixão” (adolescência). O jovem apaixona-se por uma moça e os desejos são mais que muitos. O mestre sabe que não vale a pena reprimir o “instinto sexual”, mas sim domesticá-lo, para que ele possa ser superado. Isto porque – e esta é a “segunda lição” – o desejo leva à luxúria e esta leva ao crime (quem nunca pensou por um segundo que fosse matar por amar, seja ele, a amante ou o 3º elemento, é porque nunca amou). E o desejo é de tal forma o “curso da Natureza” que o jovem acaba por matar a amada, quando desconfia que ela tem um amante (o que o filme não mostra, obviamente, por ser desnecessário). Eu não acredito que há uma individualização mal sucedida do aprendiz, que saindo do círculo repetitivo da vida, sofre a terrível punição da escolha. O aprendiz não sai do círculo da vida – porque o círculo da vida é tudo. Antes, ele “atravessa” a vida como é natural que ela o seja atravessada. (E como Siddharta também o faz, quando conhece a venerável amante “Kamala”). Antes de se entregar à polícia para a “redenção social” do crime que cometeu, o jovem entrega-se a um processo de “esvaziamento” do rancor e do medo, um dos momentos mais intensos do filme.

Quando já homem feito, retorna para substituir o seu mestre já desaparecido. Carrega a pedra do castigo até ao cimo da montanha. E recebe, não se sabe por que, nem de quem, nem interessa, uma criança, que vai cuidar como ele foi cuidado. É Primavera novamente – o ciclo recomeça. É esta a beleza do filme, feita de simplicidade, de ensinamentos de hoje e de sempre. De harmonia, de respeito, de “dettachment” da individualidade de cada um para ver o “todo” com um sentido superior.

É um cíclo, como o título se refere. Poderíamos optar pela ilustração da essência da natureza humana: a sua maldade intrínseca, que persiste à iluminação do conhecer e da racionalidade.

Acho que merece ser revisto sempre.

Veja o site do filme :

12/06/2008

CINEMA MUDO

FAUSTO
Murnau, 1926


Nostalgia...
Puro expressionismo alemão.
Nem preciso escrever.

































05/06/2008

FILMES E PSICANÁLISE...cont...

A ÚLTIMA TEMPESTADE
(Prospero's Book, 1991)
Peter Greenaway


Elenco: John Gielgud, Michael Clark, Isabelle Pasco, Michel Blanc, Erland Josephson.

Sinopse: é uma tradução da obra de Shakespeare e seu roteiro segue à trama, características e textos originais, no qual Próspero, duque de Milão, após 20 anos de exílio forçado numa ilha distante com sua filha, planeja uma vingança para em seguida poder se reconciliar com seus inimigos. Um dia Próspero imagina que uma tempestade muito forte trará todos os seus inimigos para a ilha. O sonho se transforma em realidade e tais inimigos são materializados como criaturas mitológicas. Próspero inventa diálogos e idéias para estes inimigos, mas aos poucos estes fogem do seu controle e Alonso, como inimigo, trama contra ele, usando os bobos Trinculo e Stephano. O filme procura enfatizar e celebrar o texto com toda a magia, ilusão e decepção em que a peça é baseada. Palavras, fazendo textos, que formam páginas e resultam em livros de onde todo o conhecimento é extraído de forma ilustrada. Esta é a razão de se intitular A ÙLTIMA TEMPESTADE.


Prospero está em sua banheira "fabricando" a tempestade que irá abater o barco em que viaja Alonso, rei de Nápoles, com seu filho, Ferdinando e sua corte. E, como a tempestade, todas as imagens do filme surgem a partir do tinteiro de Próspero, como se ele as fosse tirando, magicamente, dali. Entremeado à narrativa feita pelo próprio Próspero, ele escreve em seu livro sua vingança e ao mesmo tempo que comenta os livros dos quais ele pôde levar para o exílio.
Começando pelo Livro das Águas, o qual ganhou de presente de casamento dos duques Milaneses, cheio de desenhos investigativos e de textos explanatórios, escrito em muitos papéis diferentes e cada desenho com uma associação aquosa concebível : mares, tempestades, correntes, canais, lágrimas. Conforme as páginas são viradas, balançam e tempestades que se lançam.
Próspero pode ser visualizado em uma piscina romana, escrevendo e recitando a palavra ‘Boatswain’ (contramestre), que pertence a uma das falas de A Tempestade. O diálogo entre os tripulantes no momento da tempestade é suprimido e suas falas só podem ser ouvidas mescladas à fala de Próspero. Além disso, cenas de um barco à deriva são sugeridas, primeiramente, através de uma ilustração em movimento contida no livro. Logo depois, o cineasta mostra um barco no meio de uma tempestade que, depois de um corte, aparece nas mãos de Próspero, como se fosse um brinquedo e, em seguida, é colocado na água.

[como é difícil escrever sobre este filme...Meldels!]

Através de enquadramentos inusitados que sugerem a simultaneidade de acontecimentos: vê-se o barco à deriva, em conseqüência da urina de Ariel (espírito do ar que serve a Próspero), enquanto outros eventos são percebidos por trás dessa cena. Cenas são intercaladas por 24 livros, as quais iniciaram-se com o Livro das àguas e cada um deles faz referências ao conhecimento humanístico da Renascença, fazendo uma rica relação com Shakespeare e nossa era. Mas estes livros são abertos em determinados episódios , estabelecendo assim um diálogo entre estes, as cenas e os textos.
[Mas não vi nenhuma referência aos livros da Bíblia, apesar de me remeter logo no ínico, pelas águas, ao Gênesis...os 24 anciões circunvizinhos ao trono de Deus no Livro de Revelação.]

Ainda falando do episódio inicial do filme, pelo fato deste trecho condensar vários recursos cinematográficos, marcando a grande expressividade visual. Além disso, essa cena é também significativa no que diz respeito à temática da peça, que pode ser relacionada à questão do poder, ao sobrenatural e ao desejo de vingança do personagem principal.

Na primeira cena da peça, vemos Alonso, o rei de Nápoles, que retorna, por mar, do casamento de sua filha Claribel com o rei da Tunísia. Acompanham-no vários nobres: Gonzalo (um honesto conselheiro), Antônio (o irmão de Prospero que usurpou seu ducado), Ferdinando (filho do rei de Nápoles), Sebastião (irmão do rei de Nápoles), Adriano e Francisco (lordes), Estéfano (o despenseiro bêbado) e Trínculo (o bobo da corte). No meio da viagem, entretanto, uma terrível e incontrolável tempestade alcança a embarcação, o que provoca pânico e pavor em todos. Ao fim, o mau tempo faz a embarcação naufragar e todos os tripulantes vão terminar na ilha mágica de Próspero. O segundo Livro dos Espelhos, que nos fala do duplo, com suas páginas espelhadas, brilhantes, algumas opacas outras translúcidas, algumas de papel prateado outras cobertas com uma película de mercúrio. Alguns espelhos refletem o leitor, outros refletem como o leitor será no futuro, como seria se fosse uma criança, um monstro ou um anjo. São os 2 livros principais, inciais à história, pois onde temos o abuso de enquadramentos inusitados e sobreposições (ou superposições) de imagens na cena inicial. Como diretor de vanguarda, uma de suas características é “chocar” a audiência, provoca, certamente, uma atitude polêmica devido às suas cenas bizarras, com citações complexas em destaque.” É isto precisamente o que ele consegue com sua tempestade de palavras, ruídos, sons e, principalmente, de imagens e cores, usadas com intensidade na cena inicial.
Esses recursos são utilizados quando se quer tratar de acontecimentos simultâneos, ou simplesmente como efeito artístico, possibilitado pela manipulação de imagens. Ambos contribuem para o visual denso do filme em que imagens são, ao mesmo tempo, parte de um espetáculo visual renascentista e também parte de um intrincado conjunto com muitos significados.

A mesclagem de vozes e as palavras materializadas graficamente na tela demonstra as relações de poder existentes na peça. Próspero é o única que possui o conhecimento; assim, a palavra, escrita por ele e materializada na tela, simboliza sua superioridade. Além disso, Próspero tem sua voz mesclada à das outras personagens da peça, porém sempre se sobressaindo às demais. Este é como um sinal do poderio de Próspero, que controla as pessoas e os acontecimentos através de sua magia e conhecimento. Ao apropriar-se, através da mesclagem de vozes, do diálogo das outras personagens, o poder da manipulação de Próspero alcança seu ponto culminante.

Os demais livros, tão surpreendentes as imagens (que tanto mais me falaram que qualquer outra tradução poderia assim o fazer), assim seguiram :

- Memória técnica chamada arquitetura e outra música (quando as páginas são abertas, planos e diagramas elevam-se por completo, luzes tremulam e música é tocada nos salões);

- Um inventário alfabético dos mortos,
- O livro das Cores,
- Atlas pertencente a Orfeu
- Anatomia
- Livreto das pequenas estrelas
- Cosmografia universal
- Terra
- Amor
- Bestiário de animais do passado/presente/futuro
- Utopias
- Contos dos viajantes
- Livro de mão do antiquário
- Uma autobiografia
- Os dois conceitos do Minotauro
- Movimento
- Mitologias
- Jogos
- As 35 Obras teatrais
- Uma peça chamada Tempestade


Prospero's book, pra mim é um filme que diz isto: você é o que você lê, somos produtos da educação recebida, da nossa formação cultural, todas as obras ajudaram-no a relacionar , a construir o imaginário do artista, que agora se apropria e se utiliza da rede de signos conhecida a fim de criar o novo, um ato mágico, misterioso e inexplicável, exprimindo os sonhos fantásticos que lhe atravessam a alma e o corpo.

03/06/2008

FILMES E PSICANÁLISE...cont...


SECRETÁRIA
(EUA, 2002)
Steve Shainberg

elenco: James Spader (Dr. E. Edward Grey), Maggie Gyllenhaal (Lee Holloway, a secretária), Jeremy Davies (Peter), Lesley Ann Warren (Joan Holloway), Stephen McHattie (Burt Holloway), Patrick Bauchau (Dr. Twardon), Jessica Tuck (Tricia O'Connor), Oz Perkins (Jonathan), Amy Locane (irmã de Lee), Mary Joy (Sylvia), Michael Mantell (Stewart), Lily Knight (Paralegal)




Vi o filme 2 vezes com o mesmo olhar protestante. Na 3ª vez combinei comigo mesma que iria assistir, deixando minhas ferramentas de julgamento do lado de fora e tratei de ver sem fazer julgamentos quanto a isto ou aquilo. Percebo mais claramente nesta última vez, que de vez em quando a análise ou crítica de alguns filmes é atrapalhada por seus defensores, assim também é o contrário. Gostar ou não de um filme, por "motivos errados" é algo do senso comum, que tenta colocar opiniões grosseiras e equivocadas sobre aquilo que se conhece quase nada. E buscando pela internet opiniões a respeito deste filme, não me surpreendi com as coisas bobas que li tanto no sentido de polarização em torno da "perversão sexual" presente no filme como de outro indo contra a sexualização excessiva, onde principalmente nos EUA, para os puritanos, o sexo é mais obsceno do que a violência. Aqui, por exemplo, o título do filme mexeu com a categoria das secretárias, que por meio de sua Federação solicitou a empresa Imagem Filmes (distribuidora do filme no Brasil) a não veiculação do pôster do filme e ao Conar que o tirasse de cartaz, obviamente sem sucesso, é claro!

Acredito que o filme foi mal interpretado nestas dimensões todas, superficialmente (como eu o fiz nas primeiras vezes), como se a moral da estória fosse: toda secretária gosta de ser pau mandado e ainda dizer sim senhor. Outra versão: toda mulher vocacionada para ser pau mandado, só pode se realizar com um patrão empenhado a tratá-la a pontapés. Tal reducionismo, no meu ver, não é compartilhado neste filme. Como a secretária e o advogado do filme, poderia ser qualquer outro profissional, sem desmoralizar as categorias, isto é apenas o pano de fundo pra situar os desvios de comportamento dos seus personagens dentro de um cenário capitalista, estabelecendo quais são os critérios desta relação patrão-empregado no sistema de classes, bastante conhecidos. O que se vê assim é o abismo entre estes dois extremos e a subserviência como condição "sine qua non". Este sim é o filme; também não o vejo como um filme de sado-masoquismo (mesmo em cenas mais claudicantes, tipo a da secretária ficar horas e mais horas a fio sem poder tirar as palmas das mãos da mesa por ordem do seu chefe, ao ponto dela não se aguentar mais, e faz xixi ali mesmo) este seria o meio utilizado para atingir o fim, jamais o fim em si. Poderia ser considerado um conto de fadas ao avesso.
Sobre a estória : após passar algum tempo em um sanatório, Lee Holloway (Maggie Gyllenhaal) volta para a casa de seus pais pronta para recomeçar sua vida. Ela então faz um curso de secretária e tenta um emprego com E. Edward Grey (James Spader), que tem um escritório de advocacia. Apesar dela nunca antes ter trabalhado Lee é contratada por Grey, que não dá importância para sua falta de experiência. Inicialmente o trabalho parece bem normal e entediante, pois só digita, arquiva e faz café e Lee se esforça para agradar seu chefe e sua mãe, Joan (Lesley Ann Warren), se mostra ansiosa para a filha ser bem sucedida. Lentamente Lee e Grey embarcam em uma relação mais pessoal atrás de portas e cruzam linhas de conduta da sexualidade humana, um caso de amor no qual os papéis de dominação e total submissão ambos desempenham perfeitamente.
Ela vive uma vida sem significado e com o princípio dos abusos sofridos, ela os sente como uma necessidade, a satisfação da "produtividade" descoberta (onde erros são punidos e de outra lado muitas vezes o patrão ouve seus problemas, demonstrando sensibilidade), a "exploração" sendo internalizada, um caminho sem volta de uma crença única e possível, onde as necessidades de um são compensadas pela do outro.
Ao final, alguns vêem como um elogio ao amor estranho, não acho isto!

A simbiose da ironia e desespero vistos, mostra-nos por meio da tomada final de Lee, um olhar para a camêra, que de forma alguma é de uma pessoa realizada. Há uma conformação e tristeza neste casamento perfeito de dominante e dominado, que não é vista com alegria, mas com uma pontada de desesperança. Se há uma patologia, não é dos personagens, mas da sociedade e das relações, as quais ela impõe.

01/06/2008

FILMES E QUADRINHOS


IMMORTEL (ad vitam)
França, 2004

elenco : Linda Hardy, Yann Collette, Thomas Kretschmann, Frederic Pierrot e Charlotte Rampling

Filme dirigido e escrito por Enki Bilal, nascido em Belgrado, capital da antiga Iugoslávia, hoje Sérvia. Depois de estabelecer uma aclamada carreira nos quadrinhos, na Europa, com obras como a trilogia Nikopol, A Cidade Que Nunca Existiu e Exterminador 17, o autor se envolveu com o cinema. Este é o 3º filme do autor, com uma verba mais relevante pra produção.

Dos quadrinhos de Bilal, pode-se ver o universo caótico e fantástico de seus quadrinhos em imagens quase reais, graças aos efeitos de 3 dimensões, feitos em CGI. Contou, para a criação deste filme, com a participação de Serge Lehman (http://sf.emse.fr/AUTHORS/SLEHMAN/sle.html), escritor de ficção científica.

Bilal segue uma linha de ficção em suas obras, misturando destruição com algumas pitadas de humor, mesmo nos momentos mais trágicos da estória, usando por vezes cores frias para aumentar ainda mais o suspense.

Immortel é um filme para adultos, baseado em dois álbuns de quadrinhos de Enki Bilal: La Foire aux Immortels (A feira dos Imortais, pela Editora Meribérica) e La Femme Piège (A mulher Enigma, pela editora Martins Fontes), ambos fazem parte da trilogia Nikopol publicada pela Les Humanoïdes Associés.






O filme se passa na Nova York de 2095, quando o deus egípcio Horus volta a se ocupar de um mundo profano que ele criou, onde co-habitam mutantes e seres criados pela bioengenharia. O personagem de Horus coube ao ator Thomas Pollard, pouco identificável por conta dos efeitos do filme. Há uma estranha pirâmide voadora, que paira nos céus de Manhatan. Os deuses condenaram Hórus por traição e lhe concederam sete dias de liberdade antes de lhe retirarem a sua imortalidade. Jill, uma mulher de cabelos e lágrimas azuis, que procura compreender a sua própria origem, mas não é a única interessada na sua fisionomia única e nos poderes que possui, . A prisão geoestacionária sofre um curto-circuito e Nikopol, inimigo da multinacional Eugenics, é libertado. As vidas destas três personagens vão cruzar-se e afetar outras tantas.
É uma pena, mas este filme não chegou aqui. Quando vi, pela primeira vez foi na TV e peguei do meio em diante. Depois, novamente pela TV, consegui ver na íntegra. Muito interessante todos os efeitos, o visual é demais, o roteiro achei mais ainda. Para os fãs de HQ, que conhecem principalmente o trabalho de Enki Bilal, é mais do que um bom filme, e mais que uma fábula, mostra-nos uma reflexão sobre como o mundo da ciência tal como a conhecemos hoje, pode levar a uma sociedade de castas que dividem e esmagam o ser humano.
Vale ver também o site oficial e um pouquinho do filme

PS. TKS ao amigo Tonyy pela lembrança!