29/05/2008

FILMES E PSICNÁLISE...cont...

DOGVILLE


(2003, 1º Filme da Triologia EUA terra de Oportunidades)


Co-produção: Dinamarca/Suécia/Noruega/Finlândia/Reino Unido/França/Alemanha/Países Baixos
Elenco : Nicole Kidman (Grace Margaret Mulligan) , Paul Bettany (Tom Edison Jr), James Caan (O grande homem), Ben Gazarra, Lauren Bacall

Filme de Lars Von Trier, cujo caráter polêmico, causou um certo mal estar aos espectadores dos Estados Unidos pelo conteúdo crítico à moral, onde situa-se uma cidadezinha cravada no meio-oeste, na época da depressão, década de 30, acusando o diretor de antiamericano e pelo fato de jamais ter visitado a América.

São quase 3 horas de filme, dividido em 10 partes (1 prólogo e 9 capítulos), com créditos e introdução. O minimalismo do espaço, com linhas pintadas no chão, que demarcam duas ou três ruas e algumas casas, sem paredes, janelas e portas, permite que o espectador veja os atores coadjuvantes em suas tarefas secundárias, longe do foco principal da ação.

Dogville, é uma cidadezinha de poucos habitantes é ambientada numa época de dificuldades, não existe cenários, foi totalmente rodado em um galpão na Suécia com o mínimo de objetos, sem trilha sonora, câmera na mão (do próprio diretor, diga-se de passagem com a sensibilidade em retratar a arrogância humana em seus pequenos detalhes, apenas com o movimento de câmera), valorizando e muito o trabalho dos atores, há um narrador onisciente, e não há deslocamentos temporais ou geográficos.

A história inicia-se com uma tomada de cima pra baixo, de onde se vê o desenho da cidade, o narrador vai apresentando os personagens moradores da cidadezinha, um a um, cada qual com seu defeitozinho perdoável e aceitável, e segue contando resumidamente suas histórias pessoais.



Entre eles, o morador e personagem principal é Thomas Edison Jr (Paul Bettany) . É um escritor que tenta escrever seu livro e não consegue iniciar. Assim ele vai protelando, e se ocupa em pregar sermões à comunidade sobre questões morais. Depois do discurso Tom sai pra rua, pra refletir, como sempre o faz e de repente um tiro que o assusta, neste momento aparece Grace Margaret (Nicole Kidman), uma jovem, que aparenta pelas roupas que veste, a origem rica. Ela diz que está fugindo de um gângster e Tom resolve lhe dar cobertura. Tom a leva à presença da comunidade pra informar o acontecido e pedir-lhes que a acolham. À principio ninguém mostrou aceitação, assim Tom pede-lhes que concedam 2 semanas para se decidirem melhor, e Grace, em compensação, deve prestar-lhes ajuda nas tarefas cotidianas.
Os moradores relutam até mesmo em aceitar a ajuda de Grace, mas acabam aceitando e Grace rapidamente começa a passar seus dias ocupada em fazer pequenas coisas que "não são necessárias", mas que eles "generosamente permitem" que ela faça. E assim passam-se dias e dias, os moradores aceitam que Grace fique na vila, como mais um favor que ela ficará devendo a eles.
Tom confessa a Grace que gosta dela e é correspondido, mas ele não assume publicamente seu amor perante Dogville, mantendo o romance deles secreto e mantendo Grace na condição de estrangeira.
A aparente tranqüilidade da situação começa a mudar no dia da Independência, quando a cidadezinha recebe a visita da polícia, que afixa um cartaz onde Grace é apontada como procurada.
Os moradores de Dogville consideram ainda maior a dívida de Grace com eles, fazendo cada vez mais exigências, que diante da permissividade e comportamento passivo de Grace, rapidamente transformam-se em abusos. Uma cena forte do filme é quando Chuck a estupra, como "pagamento" para que ele não a denunciasse às autoridades. Aqui a função do cenário vazio é clara: a ausência de paredes dá a nítida percepção de que todos sabem o que se passa, mas fingem não ver.
A dívida só cresce e ela torna-se uma escrava não só de trabalho físico como sexual. Em pouco tempo a tratam como uma vaca, que puxa um arado, onde os caipiras se aliviam. Somente Tom, sem capacidade de tomar qualquer atitude, não a viola. E é após a rejeição dela, que ele decide dar um basta nessa pequena metáfora ilustrativa que ela representa, chamando o gângster que a procurava.
Nesse momento revela-se que Grace não está sendo ameaçada por eles, mas é a filha do “homem”. Não há surpresa no final: até que Grace entra no carro e o diretor vai preparando a platéia com a idéia de que haverá um massacre. E sem dúvida, não fosse este final apoteótico, o filme terminaria morno, indigesto, como se todos estivessem com algo na garganta. O final catártico faz com que Dogville apresente uma estrutura narrativa herdeira das tragédias gregas, onde a platéia era levada a uma situação de tensão insuportável e liberava a adrenalina contida no final trágico.
Este filme é sensacional sob vários pontos de vista, mas cada um tem sua percepção das coisas. O final idem, é um alívio. As influências teatrais de Bertold Brecht, do tipo que coloca avisos de “atenção não se emocione, isto é ficção”, assim como do teatro do absurdo, onde atores interagem com objetos imaginários. As influências filosóficas, especialmente as gregas, contidas nos diálogos, como os ensinamentos estoicistas (escola que pregava o abandono da emoção, para viver sem dor). Muito da moral gira em torno do altruísmo (dar sem esperar nada em troca) e no “quid pro quod” (que exige uma compensação equivalente para cada ação).
Lars nos deu uma visão pessimista da humanidade, onde impera o cinismo, a hipocrisia, a chantagem, a vingança, a mentira e uma visão dogmática que além de rejeitar qualquer alternativa simplista e naturaliza a maldade.
Quando termina o filme, vemos fotografias tiradas nos EUA na década de 30, da pobreza, da sujeira, do estado em si de uma época trágica, que Lars reafirma como crítica à política americana, e somente aí, o fundo musical de David Bowie, de Young Americans.

28/05/2008

FILMES E PSICANÁLISE...cont...


CRÔNICA DA INOCÊNCIA
(Comédie de l´Innocence, França, 2000)

Elenco: Isabelle Huppert, Jeanne Balibar, Charles Berling e Denis Podalydes

Este é um drama/suspense, do cineasta chileno e radicado na França (exilado político com a deposição militar do governo Allende, no Chile, em 1973), ex-dramaturgo, Raoul Ruiz, um cineasta aclamado pela crítica internacional, mas infelizmente não tão conhecido aqui, por fazer um cinema contemplativo, pausado, hermético demais para a maioria de gosto médio.

Este filme foi diferente, foi muito bem aceito aqui. A trama é sobre Camille, um menino prestes a completar 9 anos de idade, que se encantou com uma câmera e saiu captando imagens com ela, fazendo uma espécie de diário com imagens. Ele promete aos pais que no seu aniversário, ele mostrará o filme a eles. Neste mesmo dia, sua mãe o encontra no parque e o vê aborrecido e diz a ela que quer voltar para sua “verdadeira” mãe. A mãe não entende o menino, que lhe mostra um pedaço de papel com o endereço, de onde afirma ser sua verdadeira casa. Então, no dia seguinte, para entender a estória do menino, ela o leva até o endereço que ele lhe mostrou e lá constata que morava ali Izabella, uma violinista que tinha um filho, que faleceu há algum tempo, e que teria na presente data 9 anos de idade. A mesma idade do menino.
Há uma confusão entre o sobrenatural, o espiritismo, crenças pessoais, psicologia e amor maternal. A história do garoto, que diz que sua mãe natural não é a verdadeira, é conduzida por esses meandros, nunca se fixando claramente em uma possibilidade de interpretação que ajude o espectador a decidir no que acreditar.

O mais interessante do filme é justamente essa confusão que gera na cabeça de quem o vê. O mérito do roteiro deixa de ser a capacidade de impressionar com truques no fim. Ele consegue fazer coisa bem mais difícil ao contar essa história, sem permitir nos orientar diante do que é mostrado. Não existe o prazer de se contar ou assistir a uma história. Há apenas uma sucessão de fatos que não assumem uma relação entre causa e efeito segura.
A impressão de desorientação é criada quando os atores agem, quando os cenários co-atuam, quando a câmera se posiciona sutilmente de forma a permitir uma expectativa de mistério. Os elementos cinematográficos fazem o filme funcionar.
Este é um filme distinto, tem toda a elegância de sua direção presente em cada plano, em cada reação dos personagens. Mostra que crianças não são seres inocentes. São manipuladores e sabem muito bem controlar o seu universo e brincam com o mundo, envolvendo os adultos que lhe são próximos, sem que estes se dêem conta disto, e indo um pouco mais além, quando descobrem este poder, se tornam sádicas e sentem um lúdico prazer ao se considerarem senhoras de um mundo que perde o sentido aos seus pais, mas que lhes é inteiramente receptivo.


É um filme ambíguo e que saiu da mediocridade justamente por conta disto, é bastante intrigante também. A surpresa final é anulada, não tem truques mirabolantes pra resolver uma situação, mas considera-se os fatos por meio de um caminho mais lógico.