24/06/2008

FILMES E PSICANÁLISE...cont...

NÓS QUE AQUI ESTAMOS, POR VÓS ESPERAMOS
Marcelo Masagão, 1999



Este documentário é especialmente tocante, no meu parecer, porque conseguiu com tão pouco (em termos financeiros) fazer um tanto enorme. O cineasta, Marcelo Masagão, sua estréia no cinema, com este filme conseguiu empreender à esta obra um valor especial, criterioso, sentimental, filosófico e atingiu o cerne daquilo que chamamos de História do nosso tempo. A príncipio, o título foi que me instigou a vê-lo, queria saber quem era Nós, estamos onde, Vós quem? O tema principal tratado neste documentário é a Banalização da Morte, e por correspondência a Banalização da Vida, tão presente no século XX (e que perdura nos dias de hoje), fazendo uma retrospectiva e contando esta história com recortes biográficos de grandes e pequenas personagens. Geralmente a História é vista como a história dos grandes homens que fizeram esta história e aqui justamente a idéia foi mostrar que isto não é realidade, pois atrás destes homens houveram homens e mulheres, que estiveram de um lado ou de outro, fazendo a história com seus sonhos, seus pequenos defeitos, suas pequenas indagações etc.

O Historiador é o Rei
Freud, a Rainha

Pequenas Histórias
Grandes Personagens

Pequenos Personagens
Grandes Histórias

Memória do breve Século XX
Quem conta esta História, são as imagens em movimento, as quais usadas, feito uma leitura cinematográfica da obra "Era dos Extremos" de Eric Hobsbawm, historiador britânico, conjuntamente com trechos de documentários e de obras do clássico do cinema. Se eu não tivesse visto a Trilogia Qatsi de Godfrey Reggio (pode-se dizer que o inventor de um estilo que cria imagens poéticas de grande impacto emocional), Koyaanisqatsi-1983, Powaqqatsi-1988 e Naqoyqatsi-2002, eu diria que este documentário é diferente. Mas existe uma semelhança na forma e utilização de recursos. O uso de imagens que contam, por si mesmas, e que por objetivo único, e levam a uma profunda reflexão; mas não só elas, também a música participa como uma coadjuvante de peso, pois trás mais próxima das imagens também a emoção do relato visual, cujo qual, o cineasta optou por não utilizar a locução, que tornaria, ao seu ver, as imagens detalhes apenas.

Mas percebo uma diferença, a utilização da Palavra escrita, em que momentos se fazem precisar dela, não como para explicar uma cena, mas fazendo uso de uma maneira mais plural, traduzindo a imagem numa linguagem psicanalítica.

Num cemitério qualquer, no interior de São Paulo - onde inicia o filme. Como se o expectador estivesse caminhando pelas vielas entre os túmulos e ali os túmulos representam os vários mortos ali e para além de lá. Mas como eu poderia relatar o restante, acho que lançando mão de uma frase de Jung, sobre Realidade e Imaginação : "Todo processo psíquico consiste numa imagem e num ser que está imaginando, senão nenhuma consciência poderia existir e o evento não teria fenomenalidade. Também a imaginação é um processo psíquico, e por isso é completamente fora de propósito perguntar-se se a iluminação (o satori, por exemplo) é ‘real’ ou ‘imaginária’."

Como as várias pessoas viveram e realizaram esta História, as Guerras, a Morte, As Conquistas, Deus (onde está?)

O documentário, ou seja, a passagem das imagens não se prende a uma linha cronológica.

Paris, meio de 1912, Nijinski - Théâtre du Châtelet

No dia seguinte, o balé já não era clássico

Pessoas, muitas, multidão delas transitando na cidade e carros, a cidade não mais cheirava à cavalo

Máquinas produzindo, operários trabalhando

Pelo túnel o metrô, pelo fio a fala

Garotas trocavam o corpete pela máquina de escrever

Os quadros já eram Picasso

Os sonhos já eram interpretados (Freud)

Einstein, a teoria da relatividade

Câmaras Kodak registravam os instantâneos das 1ªs gerações, que conviveram em seu cotidiano com uma produção em série de idéias, matemática abstrata, maquinários complexos, refinadas bombas

A construção da Torre Eilfel

A explosão da Challenger

A construção do muro de Berlin

E sua demolição

O "crash" da Bolsa de 1929

As fábricas de bombas

As explosões

As mutilações

A solidão na guerra

Os didadores

Suas imagens distorcidas, que se movem como uma dança, na qual a música é tudo nesta hora. Sensacional! O sentido que deu nisto foi a palavra "Paranóia" e seu significado (manifestação de desconfiança, conceito exagerado de si mesmo, desenvolvimento progressivo de idéias de reivindicação e perseguição e grandeza). O que me faz perguntar, onde nasce a percepção de cada um sobre si mesmo?

A conquista do voto pelas sufragistas

O encurtamento das roupas femininas

As feministas e a queiam dos sutiãs

A liberação sexual

A luz Elétrica

O rádio

A aspirina

A guerra

"Em uma guerra não se matam milhaes de pessoas. Mata-se alguém que adora espaguete, outro que é gay, outro que tem uma namorada. Uma acumulação de pequenas memórias..."
-Cristian Boltanski-
Deus onde está?

Uma criança, numa esquina de uma rua qualquer numa cidade na América do Sul, procurando Deus.

O final, no cemitério, no pórtico da entrada, acima do portão cunhada a frase "Nós que aqui estamos, por vós esperamos".

Realmente, este filme me impressionou muito, não é um documentário pessimista, não mesmo, é um poema visual em imagens em branco e preto, que nos transporta da dor, da vergonha do ser humano, ao encanto por vezes daquilo que nos faz ser humanos, o amor e também o ódio, os sorrisos e também as lágrimas.

Marcelo Masagão : Pesquisa, Edição, Produção, Roteiro e Direção - sua estréia
Wim Mertens : Música, efeitos sonoros e silêncio

2 comentários:

Anônimo disse...

Nós que aqui estamos por vós esperamos.

Olhe, doutora... acabei de assistir esse filme e adorei. Vou comentá-lo em breve em meu blog também. Mas ao procurar, na web, informações sobre ele, achei seu blog. Gostei. Depois vou degustá-lo com mais calma.
Um abraço.

George Kieling
(http://filmesapenas.blogspot.com)

Doutora Filmes disse...

Obrigada George! Fique à "vonts"