PRIMAVERA, VERÃO, OUTONO, INVERNO...E PRIMAVERA
Bom Yeoreum Gaeul Gyeoul Geurigo Bom, 2003
Ki-dukKim
O título deste filme já por si mesmo nos mostra, que as estações do tempo são etapas entre nascimento e morte, e que o fim não é o fim... nunca há um. O que existe é um retorno, e aqui no caso, ao início. (à Primavera, onde a vida começa).
O filme apresenta-nos a vida ordenada e fortemente ritualizada de um monge, em que o ciclo da vida é representado através de um tempo circular, onde o papel do indivíduo é apenas o de ser o guardião da tradição, para quem se entrega à educação de uma criança. A criança torna-se um "aprendiz" do mestre. No meio do lago, a casa solitária, onde passam a conviver, uma imagem de renúncia ao meio social. Mas pode ser culpa minha interpretar estas palavras com uma conotação pejorativa, quanto a "renúncia" e ao "guardião da tradição". É inevitável que não nos livremos do nosso "reference point" que é sociedade ocidental de matriz judaico-cristã e também da Antiguidade.
A "renúncia" é de fato renúncia - porque é renunciar a "algo". Tal como nós [materialistas], também levamos uma vida de "renúncia", a uma vida "ascética". Sempre que se escolhe, renuncia-se a algo. Mas isto não quer dizer que eu queira "relativizar" esta questão importante. Porque o budismo, se funda muito no saber jejuar, saber esperar, saber pensar (de que nos fala o "Siddharta" de Herman Hesse) é por natureza um sistema de "rejeição" ao exterior e às suas "tentações", porque só atingindo certa autonomia se poderia ascender a um grau de consciência superior, condição necessária ao estado supremo do "nirvana”.
Quando dito aqui "apenas guardião à tradição", aqui "tradição" - embora formalmente correto - pode pecar por mais uma vez a linguagem ocidental estar impregnada de interpretações simplistas. A "tradição" aqui é tudo: é a vida, é a morte, são os valores a transmitir, é "tudo" o que possamos referir.
Quando dito aqui "apenas guardião à tradição", aqui "tradição" - embora formalmente correto - pode pecar por mais uma vez a linguagem ocidental estar impregnada de interpretações simplistas. A "tradição" aqui é tudo: é a vida, é a morte, são os valores a transmitir, é "tudo" o que possamos referir.
O filme começa com uma (das muitas que se terão) visão sobre o lago, que acertadamente marca “certezas, segurança e resignação” (mais uma vez, em que “resignação” não adquire qualquer teor pejorativo). Noto também que a casa flutuante, é uma casa “solta”, em que as referências moram em quem nela habita, e tem todos os simbolismos, que podemos aludir .
Mas que “tradição” é essa então?
Na “Primavera”, na infância, vemos a criança sem qualquer surpresa para o seu mestre (eu evito propositadamente usar a palavra “aprendiz”, por me parecer redutora, ainda que me pareça adequado usar a palavra “mestre”) torturar animais, com uma crueldade que lhe traz felicidade momentânea. O “mestre” prende-lhe uma pedra às costas e diz-lhe que vá libertar os animais que prendeu. A primeira lição é esta: “Respeitar a vida, respeitar todos os seres vivos. (Simples, claro, dirão alguns). Ao que se acrescentam duas coisas: i) a noção do “Karma” – que as nossas ações produzirão efeitos no futuro; e ii) a noção de “Dharma” – o caminho reto, a lei moral que concerne a cada um. E que em conjunto sugerem que ações menos corretas (como as da criança) se abatam sobre ela no futuro. O “Verão” – quente – é o despontar da “paixão” (adolescência). O jovem apaixona-se por uma moça e os desejos são mais que muitos. O mestre sabe que não vale a pena reprimir o “instinto sexual”, mas sim domesticá-lo, para que ele possa ser superado. Isto porque – e esta é a “segunda lição” – o desejo leva à luxúria e esta leva ao crime (quem nunca pensou por um segundo que fosse matar por amar, seja ele, a amante ou o 3º elemento, é porque nunca amou). E o desejo é de tal forma o “curso da Natureza” que o jovem acaba por matar a amada, quando desconfia que ela tem um amante (o que o filme não mostra, obviamente, por ser desnecessário). Eu não acredito que há uma individualização mal sucedida do aprendiz, que saindo do círculo repetitivo da vida, sofre a terrível punição da escolha. O aprendiz não sai do círculo da vida – porque o círculo da vida é tudo. Antes, ele “atravessa” a vida como é natural que ela o seja atravessada. (E como Siddharta também o faz, quando conhece a venerável amante “Kamala”). Antes de se entregar à polícia para a “redenção social” do crime que cometeu, o jovem entrega-se a um processo de “esvaziamento” do rancor e do medo, um dos momentos mais intensos do filme.
Quando já homem feito, retorna para substituir o seu mestre já desaparecido. Carrega a pedra do castigo até ao cimo da montanha. E recebe, não se sabe por que, nem de quem, nem interessa, uma criança, que vai cuidar como ele foi cuidado. É Primavera novamente – o ciclo recomeça. É esta a beleza do filme, feita de simplicidade, de ensinamentos de hoje e de sempre. De harmonia, de respeito, de “dettachment” da individualidade de cada um para ver o “todo” com um sentido superior.
É um cíclo, como o título se refere. Poderíamos optar pela ilustração da essência da natureza humana: a sua maldade intrínseca, que persiste à iluminação do conhecer e da racionalidade.
Acho que merece ser revisto sempre.
Veja o site do filme :
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