27/04/2009

Filmes e Psicanálise...cont.

Phantom
aka The Phantom
referência IMDB http://www.imdb.com/title/tt0013496/


Esta obra de F.W. Murnau, totalmente restaurada, é um fascinante “insight” psicológico com extraordinário apelo visual. Primeiramente, sou meio supeita, pois sou fã de Murnau, do expressionismo, assim como do cinema mudo em geral, o qual já comentei algumas vezes.

Phantom (1922), é um filme que retrata o tormento vivido por um homem de classe média-baixa, com um certo nível de educação, levado a um tipo de problema mais interior, desencadeado por uma obsessão de amor.

Lançado imediatamente após terminar a sua primeira obra-prima, Nosferatu (1922), Phantom, ficou durante décadas rejeitado e sido considerado como um "menor" trabalho - por historiadores que provavelmente nunca tenham visto o filme completo, Foi considerada uma obra perdida.
Murnau é uma rara combinação de psicólogo, poeta e artista visual de primeira ordem. Entre seus melhores : Nosferatu, The Last Laugh (1924), Fausto (1926), Sunrise (1927), e Tabu (1931), agora Phantom , depois deste magnífico restauro volta ao seu corpo de trabalho e dos principais, eu diria, pelo conteúdo do psicológico, de que me atrai.


Apesar do seu título e filme que o antecedeu serem de horror, este não se trata de sobrenatural. Diz o conto de um balconista com aspirações poéticas, chamado Lorenz Lubota (Alfred Abel - Metropolis), que é quase atropelado pelo transporte de uma bonita, rica, jovem mulher, chamada Veronika Harlan (Lya De Putti). Eles têm apenas um momento curto de contato, mas inicia-se uma fixação por Lubota, que começa a persegui-la. Mais tarde, isto acaba o levando à casa de Veronika para pedir à seus pais a mão dela em casamento. Eles são de classes sociais diferentes, o que já torna tudo impossível de acontecer. Lorenz vive num apartamento pequeno com sua mãe (Frida Richard - Fausto), irmã Melanie (AUD Egede Nissen - Dr. Mabuse), de comportamento duvidoso e o irmão caçula Hugo (Hans Heinrich von Twardowski). Conforme a obsessão de Lorenz aumenta pela inatingível Veronika, isto vai lhe tomando cada vez mais de seu tempo, e as faltas ao trabalho são cada vez mais constantes. Assim, acaba o perdendo - a previsão de publicação de seus poemas vai por “água abaixo”, apesar dos elogios do editor Sr. Starke (Karl Etlinger Em contrapartida sua filha Marie, (Lil Dagover - Gabinete do Dr. Caligari) diz que lhe falta autoridade literária e considera sua obra um lixo. Lorenz entra numa espiral descendente, e quando se encontra no seu pior momento, ele encontra alguém, extremamente parecida com Veronika, a “vampish” Mellitta (também desempenhado por Lya De Putti). No filme Mellita seria o “duplo” de Veronika. Ela é a filha de uma velha baronesa cafetina. Lorenz fica enfeitiçado com a sósia de Veronika, e enche-a de presentes, fazendo penhoras com sua tia e se endividando cada vez mais. Evidentemente, Mellitta e sua mãe o procura constantemente, mais e mais. Lorenz acredita que vai poder pagar à tia com a publicação de seus poemas (um dia). Na verdade ele engana-se e entra num esquema para poder tirar mais de sua tia.

Esta espiral descendente irá lhe trazer conseqüências terríveis, tanto no externo quanto no interno. É como uma batalha entre opostos (aparecem no filme alguns destes opostos representados : Veronika e seu duplo e os demais que ocorrem no filme, tipo Marie e sua tia, dentre outros os quais Murnau amplia e enriquece na utilização durante todos os aspectos deste filme) Sua percepção torna-se totalmente distorcida. Assim como espelhos, os opostos são os reflexos distorcidos da mente de Lorenz, que se mesclam à sua realidade.

As idéias confusas e as co-relações impróprias, tornam seu mundo (interno) estreito e pequeno, isto se reflete no externo, quando vemos cenas que (Murnau nos leva a uma profunda viagem dentro da mente deste homem, mesmo quando ele expõe algumas linhas mais perturbadoras por falhas da sociedade). a parte inferior do seu cotidiano mundo torturado (um pesadelo), com todos os edifícios caindo em torno dele, assim como o piso do restaurante o engolindo todo. Algo no ambiente externo deflagra sua doença. (Psicose ? - respeitando a teorização freudiana pela perda do referencial narcísico do individuo, a ruptura do equilíbrio psíquico é vivido por ele, com intensos sentimentos de angústia e ansiedade, constituindo assim a fase que antecede os delírios)

A câmera em Phantom é amplamente imóvel. E isso é apenas como deveria ser. Este filme é o reflexo da vida interior de Lorenz, e é melhor servido por imagens estáticas e composições meio acanhadas. O homem está congelado dentro de si e do seu mundo de sonho, por isso é que a maioria dos momentos do filme são nada mais que seus sonhos e alucinações: estática em que se encontra, o mundo estático, estática câmera - com rajadas de definições ocasionais de uma violência fantasmagórica.

Mas não são só os efeitos das cenas que revelam Lorenz num estresse psicológico. Murnau transforma superficialidades em uma série de reflexões sobre o que impulsiona Lorenz. É um mundo cujos espaços são apertados e sufocantes : o apartamento dele, a casa de penhores da tia, a mesa “para dois" no restaurante com a grande e quase inspiradora “agorafobia” ou seu oposto: o vazio demasiado das ruas à noite, onde enormes sombras vampirescas o perseguem. Cada localidade, mesmo alguns dos mais improváveis, surgem sombras ameaçadoras - às vezes em primeiro plano - , mesmo os melhores e mais bem iluminados lugares, como a mansão dos Harlans ou o elegante bar, têm escuros, cantos escuros.

Mais do que contar o filme, convido-lhes a saborear este filme fascinante de Murnau, rico e complexo, em vários níveis, que se eleva de um antiquado best-seller de Gerhart Hauptmann de 1922, numa obra atemporal. Murnau nos atinge com este filme, proporcionando-nos uma vista de acima de Lorenz, sob a ótica do contexto social,estratificada e contraditória da sociedade, bem como abaixo dele, cavando muito mais fundo nas profundidades de seu psíquico.
Como um reflexo de Lorenz - é tudo sobre o olhar voyeuristico, que exprime ver a pessoa real, mas também a que mostra-se fantasiando,ver as suas fantasias como se reais fossem, a obsessão com o aumento da morbidade e o que provém disto.

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