15/09/2009

O Livro de Cabeceira...final

Algumas idéias acerca do Filme The Pillow Book de Peter Greenaway  e muito inspiradas pelo trabalho de Sérgio Telles1 , que comenta aspectos cinematográficos à luz da Psicanálise e o qual fez tão bem em  seu livro "O Psicanalista vai ao cinema" que acabei de ler recentemente.

Como anteriormente falado, procurei traçar algumas observações das quais me furtei em fazê-las anteriormente, por ter entendido que esta é uma obra formidável, complexa, das melhores na minha opinião de Greenaway, onde convergem e coexistem questões próprias à linguagem, como a representação e principalmente a riqueza de simbolização, para meu gosto pessoal.

Obviamente que o filme permite outras linhas interpretativas, mas toma-se aqui o  "Complexo de Castração da personagem feminina" que decorre das especificidades do desejo paterno.
A Identificação de  Nagiko pelo Pai. Sendo filha, no seu íntimo há a obrigação de resgate da honra de seu pai, que foi humilhado. A relação paterna pode ser mostrada pela inscrição no corpo dela, tão esperada sempre a cada aniversário seu,  uma expressão edipiana, que define visualmente o amor do pai pela filha.

Este ritual afetou sua vida para sempre, pois Nagiko, depois da perda do pai, procura por amantes que saibam escrever em seu corpo, como ele tão bem fazia e  pela qual ela procura reencontrar pela escrita das mãos de outro alguém, a demonstração do amor que tanto  espera.
 – É que é a escritura o que desperta o corpo para o erotismo, dos odores, dos sabores, das pressões do desejo. Não seria todo o corpo, enquanto corpo humano o lugar de uma escritura? Desde as primeiras carícias e os primeiros olhares, cada corpo é o espaço de uma tatuagem invisível que as mãos do amor saberão ou não despertar. (Saal, 1998).


Braunstein mostra-nos também que :
- Somos o que vemos, uma sequência de imagens tatuadas na carne, uma soberba catedral de letras, gravações de desejos superpostos, de mensagens enigmáticas, de um gozo cifrado em um corpo que é uma charada...  o gozo está cifrado, é um hieróglifo escrito em nossa carne pelo desejo do outro... (Braunstein, 2001).

Mas paira  uma questão : O pai humilhado (supostamente usado, violentado, extorquido pelo editor)  não seria um fantasma de Nagiko?Ou seja  uma construção sua, uma versão própria comprada por si mesma, como uma fantasia histérica, que precisa salvaguardar o papel do falo vingador, salvando o pai impotente?

Na sua vida adulta, Nagiko abre sua compreensão de forma diferente. Mas ainda espera que o marido (o sobrinho do editor de seu pai) repita tal gesto do pai, que escreva em seu corpo, o que ele recusa, e ainda a ridiculariza por ter ambições literárias. Como sequencia disto resulta o fracasso do casamento. Ela se vinga, queimando toda a casa e foge para Hong Kong.

Mas a mudança da compreensão passa a se dar no momento em que ela conhece Jérôme, um tradutor bissexual, quem foi que sugeriu a ela que se mudasse os papéis : ele assumiria o papel passivo, enquanto Nagiko assumiria o lugar ativo, ou seja ela seria a escritora de corpos. Ela hesita no início, temendo perder o prazer circunscrito à posição passiva. Mas acaba aceitando a idéia e percebe que isto também é prazeroso a ela.  Da compulsão passam para a repetição do ato. Neste contexto,  ela sente que o encontro com ele passa a ser decisivo, pois vai passar por situações semelhantes aos que teve com o pai. Nagiko se apaixona por Jérôme e sente-se enciumada, quando Jérôme vai ao encontro do Editor e não volta imediatamente como ela esperava. Ela passa a re-atualizar as experiências pelas quais passou e tenta elaborar de outro jeito ou pelo menos de forma mais satisfatória a si. Mas, do tal ciúme re-atualizando seu conflito passado, ela sente a necessidade de vingar seu pai contra o Editor. Nagiko estaria negando o desejo homossexual do pai, a cumplicidade que existia nesta ligação; que é a mesma que ela se depara com referência a Jérôme e o mesmo Editor.
Até então, o que se referia ao pai, ela negou, reprimiu e transformou numa relação de força e humilhação que o pai sofrera por parte deste Editor. Assim, ela protegeu o pai contra seu próprio ódio. Agora, não mais se sustenta a versão que tinha do pai humilhado e constata o prazer e concordância existentes. Assim como o é também quanto a Jérôme. Nagiko odeia o pai, se dá conta disto, transfere ao editor o ódio destinado ao pai. Não estaria ela vingando o pai, matando o Editor; mas sim vingando-se do pai na figura do Editor.

Nagiko encontra-se fixada ao desejo do pai, aprisionada em algum lugar fálico. Diante desta certeza é desta forma que ela aluga os homens que a poupam de ser castrada e desprezada enquanto mulher. Somente após a morte de Jérôme e o assassinato do Editor (homens que desprezavam o sexo feminino e bem representam o pai) é que ela pôde adquirir a liberdade do encarceramento fálico e identificar-se de maneira total com Sei Shonagon (mulher escritora que gozava da literatura tanto quanto do sexo).

A figura materna é apagada de Nagiko, mas ela conhece a figura idealizada de Sei Shonagon, que lhe foi apresentada pela tia.  O Salto a ser dado encontra-se inicialmente nos Treze livros escritos por ela em corpos masculinos que colaboraram para a resolução de seu complexo de castração, estabilizando sua identidade feminina após o abandono da crença de que só seria potente, amada e reconhecida se armada com o emblema fálico. A tatuagem que fez depois e visível ao amamentar sua filha, bem diferente das inscrições laváveis e efêmeras que deixava fazer em seu corpo e executava nos corpos masculinos mostra bem tal estabilização. 

Por fim, pode aceitar realmente sua sexualidade feminina bem como se ver como uma escritora, acreditar em seu talento, no poder dos seus escritos, nem precisando  mais do representante fálico.

As "Representações da Palavra" remetem à linguagem, cujo papel deste evidencia-se no processo secundário, que possibilita a identidade do pensamento. Pontalis chama isto de "Melancolia da linguagem", a linguagem como substituto do objeto amado, perdido, como presença ausente:
- ... a fala reconduz ao objeto perdido, para dele se desligar... Separar-se, desunir-se do objeto e de si, desligar-se do semelhante ao idêntico, medir incessantemente a distância entre a coisa possuída e a palavra que a designa, e que ao designá-la, diz de imediato que ela não está ali. (Pontalis, 1991).





Sérgio Telles – Psicanalista, membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae (São Paulo)

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02/07/2009

O Livro de Cabeceira...cont




O nono livro é aquele escondido em lugares ocultos do corpo de um monge e é chamado de Livro dos Segredos.

NONO LIVRO

O LIVRO DOS SEGREDOS

Pálpebras

Olhos cegos não podem ler



Dedos

Uma mão não pode escrever em si mesma



Pernas parte interna

Investigação nunca se completa


Escroto

Palavras também se reproduzem com prazer

O próximo livro foi aquele rejeitado pelo Editor como se uma fraude fosse, pois não conseguiu localizar nada em seu corpo. O mensageiro expulso, retorna e bate novamente à sua porta e lhe mostra a língua, revelando-lhe a mensagem.

DÉCIMO LIVRO

O LIVRO DO SILÊNCIO

Língua

Sussurar pode ser um descanso do rumoroso mundo das palavras

Os dois próximos livros :

DÉCIMO-PRIMEIRO

O LIVRO DOS TRAÍDOS
e
DÉCIMO-SEGUNDO

O LIVRO DOS NASCIMENTOS E COMEÇOS

Não foram entregues ao Editor e não possuem texto. O primeiro mensageiro é atropelado e o segundo passa dirigindo pela editora e não para.


Em 31 de dezembro de 1999, ela termina seu último texto, vai ao Editor persuadí-lo a aceitar sua própria execução.

DÉCIMO-TERCEIRO LIVRO

O LIVRO DO MORTO

Peito

A morte não é necessariamente um livro velho e usado

Com páginas secas

Pode haver mil páginas

De um texto forte e brilhante

Num corpo poderoso

Mantido ereto por uma espinha forte

O coração quase não bate, pois a quietude foi alcançada

O torso é como uma rocha

As pernas estão enraizadas, a tinta está segura

Se as palavras na morte podem ser consideradas esvaecidas

E murchas, onde estará a dignidade em morrer?

Pernas

"Estou velho", disse o livro

"Eu estou mais velho", falou o corpo

Arrepios gelados do pé para cima

Braços

Diferentemente da água, o papel não se congela

Ou se condensa em vapor

Ele não ferve


Costas

O livro para terminar todos os livros

O livro final

Depois dele não há mais escrita

Não mais publicação

O editor deveria se aposentar

Abdômen

Os olhos enfraquecem, a luz ofusca

Os olhos estão semi-serrados, eles piscam

A palavra é vítima da falência do foco

A tinta esmaece, porém a impressão se intensifica

No fim as páginas apenas sussuram em deferência

O desejo diminui

Apesar dos sonhos de amor ainda perdurarem

A esperança de consumação diminui

Qual será o final de todas essas esperanças e desejos ?

Aqui vem o final

Nádegas

Esta é a escrita de Nagiko Kiyohara no Motosuke Sei Shonogan

E eu sei que você chantageou, violou e humilhou meu pai

Eu suspeito que você também arruinou meu marido

Você agora cometeu o maior dos crimes

Você dessacralizou o corpo do meu amante

Você e eu sabemos que você já viveu tempo demais

O Editor lê o texto, no corpo do lutador de sumô, espantado e este lhe corta o pescoço com a sua autorização.


Assim, Nagiko sente a honra de seu pai e de seu amante vingada.

28/06/2009

O Livro de Cabeceira - Poesia ...cont



Segue, a continuação do "Post" anterior, as Poesias do Livro-corpo :



O próximo livro é em dourado e vermelho, o qual foi escrito num americano gordo. O mesmo acabou sendo nocauteado por uma das assistentes do editor, pois se encontrava em tamanha excitação, o que não permitiria a cópia do livro.



QUINTO LIVRO

(Escrito em um caucasiano obeso)


O LIVRO DO EXIBICIONISTA


Peito


Um volume espalhafatoso, grosso e rubicundo


Páginas demais empanturradas dentro


De capas carnudas


Um volume acima do peso


Ele está seboso com o esforço dispendido



Abdômen


Cada palavra é bombeada com consoante colesterol


Ele é cheio de gordas palavras


O creme das páginas com a gordura subcutânea


Novas letras são associadas como dentes berrantes


Fazendo a compreensão constipada


E exorbitantemente blindada


Este livro precisa perder peso


Se deixá-lo cair, cuidado com os pés


Pois é um quebrador de dedos


Seu próprio peso poderia esmagar sua espinha



Costas


As páginas foram perfumadas com liberalidade


Mas o aroma empalideceu e caducou


As páginas cheiram a cola azeda


Ou a mau hálito de um mentiroso


Determinado a gastar tempo sorrindo


Mascando goma pegajosa


Todo gosto doce e nenhuma substância que perdure


Todo brilho e gases



Nádegas


Este livro é vistoso como uma couve-flor dourada


Mas que cheira tão mau depois


De mergulhada na água quente


Como chocolate quente adoçado com açúcar de beterraba


Incompatíveis misturadas de forma incongruente


Para propósito algum


Braços parte Superior


O capítulo "Um" promete excesso


Capítulo "Doze" prova a promessa precisa


Verdadeiramente fatigante



Pernas Parte Superior


De um leitor se requer


Suar seu caminho à compressão


Evitando as crateras da hipérbole que lanham suas páginas


Todo adjetivo está sublinhado


Pois incapaz de parar quieto na página


Incapaz de ser um igual a seu vizinho



Pernas parte Inferior


Seu humor é pesado e vulgar


Cheio de expletivos comandando você


A apreciar sua sagacidade



Nagiko, após a morte de seu amado, escreve-lhe no corpo morto. E este livro se tornará o "pillow-book", que ficará dentro do travesseiro de madeira do Editor.



SEXTO LIVRO

(escrito em Jérôme, morto, transformado no Livro de Cabeceira)


O LIVRO DO AMANTE



Pescoço


Este é um livro e um corpo


Que é tão tépido ao toque


Meu toque



Peito


Eu pressionei este livro em meus olhos


Na minha testa, nas minhas bochechas


Eu mantive este livro aberto sobre minha barriga


Eu me sentei sorrindo sobre este livro


Até que minha carne se amalgamou nas suas capas


Eu me sentei gargalhando neste livro até que umedeci


Suas capas com meu corpo


Eu envolvi este livro nas minhas pernas


Eu me ajoelhei sobre este livro até meus joelhos sagrarem



Abdômen e Coxas


Este livro e eu nos tornamos indivisíveis


Eu coloquei meus pés nas últimas páginas deste livro


Confiante em estar tão mais alto no mundo


Como eu nunca estive antes


Possa eu manter este livro para sempre


Possa este livro e este corpo sobreviver ao meu amor


Possa este corpo e este livro me amar tanto quanto


Eu amo sua extensão, sua gramatura, sua solidez, seu texto


Sua pele, suas letras, sua pontuação, suas quietas e


Suas ruidosas páginas


Suas delícias sôfregas


Livro, corpo – EU AMO VOCÊ



Costas


Ele respira gentilmente na sua primeira página


Ele respira mais fundo conforme as páginas viram


Quando o ritmo de leitura é obtido


As palavras ganham uma velocidade urrada


E as páginas correm


Eu corri com essas páginas


Ao seu final há um suspiro e o livro


Fecha-se em contentamento


O leitor, de bom grado, começa de novo



Nádegas


Corpo e livro estão abertos


Face e página


Corpo e página


Sangue e tinta


Ponta dos dedos, debrum do rebordo


A superfície do limite de cada página é tão macia


As marcas d'água são como veias fluídas


As páginas são tão harmoniosas na sua proporção


Que desarmonia em seu conteúdo é impossível



O Editor exuma o corpo de Jérôme, que retira sua pele para transformá-la num livro ( no Livro de Cabeceira) para sua absorção sensual. Nagiko, sabendo disto, negocia com o Editor a troca do Livro de Cabeceira pela série completa dos livros que foram agendados. O Editor aceita a troca.



O Sétimo livro tem seu início com a frase usada por seu pai em seu rosto. Mas o mensageiro é tomado por uma forte chuva. O Editor fica enraivecido por que o texto foi danificado. Mas o mensageiro diz a ele que ainda há o corpo para ser usufruído.



SÉTIMO LIVRO

(escrito no mensageiro)



O LIVRO DA JUVENTUDE


Rosto


Se Deus aprovou a criação de sua criatura


Ele soprou o modelo de argila pintado


Na vida assinando Seu nome



Ombros e Pescoço


Onde está um livro antes de nascer?


Um livro cresce como uma arvora?



Peito


Quem são os pais do livro?



Tórax


Um livro precisa dois pais – uma mãe e um pai?


Pode um livro nascer dentro de outro livro?


E onde está o livro dos pais dos livros?



Abdômen


Quão velho um livro tem quer ser antes que possa parir outro?


Livros jovens choram e gritam se não são lidos ou alimentados?


Eles passam por palavras em incontinente abandono?


Eles forçam qualquer sentença causalmente encontrada


Nas suas bocas?



Costas


Este livro passou o primeiro ímpeto da juventude


É um livro que está na puberdade


Ele é hesitante e do ponto de vista vantajoso


Do leitor maduro, ele é tanto uma triste quanto


Divertida lembrança da parte que não é


Sempre atrativa o suficiente para ser revisitada



Nádegas


A capa está se tornando enrugada tal qual


A madeira numa arvora jovem endurece


Suas páginas são flexíveis e sabem um pouco de sal



O próximo livro é aquele que foi escrito no corpo de um mensageiro, que foi fotografado pelo Editor com uma câmera Polaroid.



OITAVO LIVRO


O LIVRO DO SEDUTOR



Cabeça e rosto


Se você não for sua vítima, este livro e corpo


Distrairá você com a sua arrogância


Ele poderá te fazer rir



Pescoço


Porque você não foi sua vítima, você não pode sentir


A dor da traição



Costas


Este livro começa bem


Tudo é claro e positivo


Você se sente confiante


Você sobe para morder a isca, fresca e atraente


Que diz que você está fresco e atraente também


Ele seduz sendo um espelho a todas suas vaidades


Você nunca pensou que tal fólio poderia ser tão inteligente


Para tal esperteza



Costas Inferior


A mudança de frase é elegante


Não há dúvida que você se impressionou


A correção de seu caráter é um artifício esperto



Peito e Abdômen


Este é um bem lavado corpo de um livro


Ele se assenta direito na sua mesa


Na qual é a sua abertura insuspeita


Ele pressiona próximo a seu peito que esconde


Um insuspeito coração


E logo suas promessas precisam ser atendidas


Senão o suspense poderia se tornar assustador


E se estender demais – você fareja um rato


Um elefante ou um rato, um rato como um


Elefante, que esta ao mesmo tempo em chama e se afogando


Muito tarde


Muito tarde para recuar


Seu coração está aberto. O livro pegou você


Seu corpo está bem aberto


Este rato feito livro invadiu sua privacidade


Preocupado em sentir suas entranhas por cada passagem privada




Baixo Abdômen


Você se dobra e se agita ao golpe


Com o maior embaraço


E tenta se recompor, pensando ainda


"Como pude ser tão facilmente golpeado?"



Nádegas e Perna


Feche o livro num ímpeto


Muito tarde


Ele enfiou seu pé sujo deteriorado na sua boca


Suas garras o agarraram


Você estará grávido e se sentindo culpado


Por sua prole sem palavras

18/06/2009

O LIVRO DE CABECEIRA - POESIA



Como havia proposto segue os Poemas, os quais Jérôme sugeriu como um plano, o qual Nagiko propõe ao Editor como "A AGENDA", (pertencerá a uma série de 13 livros tendo como tema "O AMANTE").

O Livrocorpo (Irei colocar nesta parte os primeiros 4 Livros, e assim sucessivamente nos próximos "Posts")

PRIMEIRO LIVRO (escrito no corpo de Jerome)

A AGENDA

No Pescoço

Eu quero descrever o Corpo como um Livro

Um Livro como um Corpo

E este Corpo e este Livro

Será o primeiro volume

De treze Volumes.

No Tórax

A primeira grandeza do livro esta no torso

Sede dos pulmões

Que sopra o vento que seca a tinta

Sede do coração

Que bomba a tinta

Que é sempre vermelha

Antes que seja negra

O coração e dois pulmões são mantidos retos

Perto, mas não se delimitando

Protegidos pela cobertura da caixa torácica

Cobertos por enegrecidos títulos de papel como marca d'água

O sopro da inspiração corre entre eles

Desenhados do ar por sua influência conjunta.

Da Nuca ao Cóccix

Nenhuma função do livrocorpo é singular

Se um serviço múltiplo puder ser realizado

Assim o ar da inspiração

Divide a mesma passagem

Com sais, palavras,

Sentenças, adoçantes, parágrafos

Todos desmoronam em agitação nas páginas ruminantes

Para jazer em fileiras seriadas como hastes de arroz

Num campo, ou os pontos da costura num tatami

Pacientemente aguardando a irrigação

Por água ou visão

Mesma que em mim anos não surja um leitor.

Na Barriga

A segunda grandeza do livro está na barriga

Fábrica para a mistura dos materiais

Um laboratório de seleção e fiação

Retendo e relembrando

Uma editora em fluxo contínuo

Estampada com o corte dentado do umbigo

Raramente ocioso, nunca parado

Dividindo o espaço com preparações

Para o futuro com a ironia da economia

Futuro e passado partilhando a mesma rodovia

Livrocorpo sempre mostrando, na sua história, evoluções.

No Pênis e Escroto

Eu sou a muito necessária

Cauda.

O pedaço-rabo

O sempre reprodutor

Epílogo

O derradeiro parágrafo pendente

Esta é a razão

Para que o próximo livro

Brote.

Jérôme não retorna do seu encontro com o Editor, Nagiko enciumada vai atrás e descobre os dois deitando-se como amantes. Enraivecida, ela procura outros em quem escrever. Assim, da sua procura, surgem dois irmãos suecos nos quais ela escreve: "O LIVRO DO INOCENTE" e o "LIVRO DO IDIOTA".

SEGUNDO LIVRO

O LIVRO DO INOCENTE

No Peito

Este é um livro inocente – não usado e não lido

Um inocente com trezentas páginas branco-leite

E sem ilustrações

Na Barriga

As páginas estão ainda empoeiradas

Com um pó branco do fabricante

As páginas sabem doces – como leite aguardando a

Ferroada da pena

A tinta suja

E os intrometidos invadir os

Intrincados espaços do corpo virgem

Nas Costas

A lombada é tensa – costurada firme

Esperando dobras e quebras

Nas Nádegas

As páginas quedam lisas e frescas – os músculos

Macios das páginas

Nenhuma carne desnecessária

Foi encorajada a se exceder pelo tatear casual

O polegar úmido do leitor expectante ainda não marcou os tecidos

Delicados deste magro limpo sorridente volume

Separe-me

E abra-me à força

Para o prazer

TERCEIROLIVRO

O LIVRO DO IDIOTA

Garganta e Tórax Superior

Esta é uma caixa triste de um livro cheio de palavras

Mas com pouco significado

Ele soa oco quando se ausculta para entende-lo

Pois vago, vazio, e de olhos esbugalhados numa página

Ele fala algaravia e alto sem sentido no texto

Seus pulmões são ruidosos enquanto ele está silente

Ele é silente quando sopra e arqueja para fazer o maior barulho

Barriga

Talvez deveria haver paciência e pathos

Resevadas para este idiota congênito

Babando, chupando seu dedo

Digerindo seus pensamentos

Coçando sua cabeça e sua barriga

Procurando por pulgas entre as páginas de suas pernas

Mas tal simpatia e paciência são aqui desperdiçadas

Quadril e Braços

Ou talvez deva haver cuidado

E admiração secreta pelo livro-idiota

Que tem licença para falar a verdade através do humor

Um tolo pode, com proveito, esvaziar a presunção

Mas essa admiração é aqui desperdiçada

Costa Superior

Este livro não possui a virtude da ironia

Nem merece simpatia devida aos realmente loucos

Entre ruído alto e o silêncio não há nada de substancial.

Costas Inferior

Como você lê um tal livro?

Talvez você não leia ou não consiga

Talvez melhor – ele possa ser reutilizado, reescrito

Nádegas

Talvez deveríamos virar as costas a ele

Poderemos encontrar espaço

Entre sua maior prega de arrogância flatulenta

Para outro livro

Deveríamos retoma-lo para uma outra tentativa

Para que não seja largado e perdido

Esquecido em alguma prateleira baixa

Mantido como papel usado na privada

O livro seguinte, escrito num acadêmico cantonês idoso, que depois corre pelas ruas para escapar do atelier do Editor.

QUARTO LIVRO

O LIVRO DO IMPOTENTE

Peito

Este é um livro exausto devido a muita leitura?

Ou muita pouca leitura?

Tórax e Barriga

Dos cabelos da cabeça ao fim das unhas dos pés – as páginas

Estão marcadas com as nódoas do uso

Ou mal-uso

As palavras seriam mais bem lidas

Fora da página

As palavras ainda significam?

Costas

Há ainda um espaço

Entre os capítulos

Ou todos os assuntos embaraçaram-se?

Neste livro o índex de citações

É mais longo que o próprio livro

Essa vida tem muitas notas de rodapé

No todo, não passa de um pé chato

Sua alma mergulhada fundo

Em bolhas calosas e grãos

Nádegas e Posterior da Coxa

O maior ímpeto de vida deste livro

É muito freqüentemente bloqueado pela qualificação

Ele é limitado pelos seus "ses" e "mas"

E "ses" somente

E "entretantos"

Desculpas para uma vida que está preste a fechar

Suas capas pelo último momento

E, então, amarrotar-se na poeira

De uma não-vista

E "para-ser-lembrada-nunca" biblioteca

12/06/2009

The Pillow Book - O Livro de Cabeceira

Peter Greenaway – 1996


Falar sobre este filme de Greenaway é bastante difícil, por se tratar de um dos de Greenaway, que tem uma riqueza extrema. Eu acredito que não daria pra fazê-lo assim de uma só vez. Primeiro, por ser de uma temática complexa, envolvendo referências filosóficas, literárias, pictóricas e com tantas leituras psicanalíticas. Segundo, porque existem as Poesias, escritas no corpo, e que eu gostaria de colocá-las aqui em separado, porque quando as li, fora do contexto do filme, senti a grandeza real deste cineasta e do sentido que deu à obra. Estas Poesias foram escritas por ele para serem caligrafadas em 13 livros sobre a superfície de 13 Corpos diferentes (se você não viu o filme, mais adiante poderá entender o que estou dizendo agora). Como a escrita dos corpos não pode ser lida em detalhe no próprio filme, e da impossibilidade dos espectadores ocidentais na tradução da língua japonesa, achei de suma importância colocá-los em separado para um entendimento da importância da proposta desta formidável obra.


N.B.: Este não é um filme japonês, mas sim uma expressão de um ocidental através das referências orientais.

O filme é falado e escrito em 3 idiomas principais : inglês, japonês (kanji, hiragana, katakana) e cantonês. Há também o francês (com bastante destaque à música). Há também o mandarim, holandês, latim, ídiche, italiano, alemão e vietnamita.


Greenaway tem sua formação inicial como Pintor, daí percebi as várias referências de pintores que teriam inspirado cenas : Gauguin, Degas, Lautrec e outros.
A técnica de fracionamento das imagens (eletronic paintbox), a mesma da qual fez uso em a "Última Tempestade" – 1991 (Prospero´s Book, de Shakespeare), que mostra simultaneamente a mesma cena de diferentes ângulos e pontos de vista. Isto lhe permite uma edição de excelência com elementos de multimídia.

Parte 1 : Estória do filme
Parte 2 : As 13 Poesias em cada Corpo, e qual o lugar do Corpo foi escrito.
Parte 3 : Leitura Psicanalítica de algumas partes que me chamaram a atenção
PARTE 1 – Estória
O Livro de Cabeceira

É a estória de uma jovem mulher japonesa com início na infância, transcorrendo a ação durante as 3 últimas décadas do século XX. Chama-se Nagiko Kiohara. Nos seus aniversários de menina realizava-se 2 rituais. O seu pai (escritor e calígrafo), escreve um texto em seu rosto e nuca com tinta colorida um texto, que se chama o Livro da Juventude e sua tia lê para ela um clássico da literatura japonesa "O Livro de Cabeceira de Sei Shonagon (Makura no Soshi)1.

O prenome de Nagiko é o mesmo da escritora que viveu quase mil anos antes e por isto sua tia lhe dá a idéia de escrever um diário no mesmo estilo. Seu pai é escritor e calígrafo, escreve histórias infantis, as quais se resolvem mistérios por meio da matemática. Mas para publicar seus trabalhos, ele se submete às humilhações de um editor, pois precisa sustentar sua família. Nagiko, aos 4 anos de idade vê pela primeira vez seu pai sendo sodomizado pelo editor. Ato este, que se repete a cada aniversário seu como uma sombra aos rituais familiares.


Quando Nagiko completa seus 18 anos, e decide começar escrever seu diário, seu pai deixa de pintar-lhe o rosto e é convencida a casar-se com o sobrinho do editor, um arqueiro fanático. Ela tem seu casamento com ele, com grande pompa. Mas ele recusa-se a reproduzir o gesto paterno de escrever-lhe a frase no rosto em seu aniversário e posteriormente a ridiculariza por suas ambições literárias. Ela dedica-se a seu diário, numa obsessiva identificação com Sei Shonogan. Quando o conflito entre ambos se exacerba, ele queima seu diário em meio a exibições como arqueiro, atirando flechas no alvo. Ela, em resposta, incendeia a casa e foge para Hong Kong, lugar onde passa a trabalhar em funções humildes antes de se tornar uma estilista de moda.

Sozinha, ela constata que não seria possível escrever em si mesma. Passa a procurar escritores e calígrafos para escreverem sobre seu corpo os mais variados ideogramas, pagamento seus serviços com sexo. Numa ocasião, com o corpo todo coberto de ideogramas, se deixa fotografar por um profissional que se apaixona por ela, sem reciprocidade. Em sua contínua busca, encontra Jerome, num café. Ele é poliglota, escritor e tradutor inglês, que na verdade acaba por quebrar o padrão, sugerindo que ela fizesse a escrita. Ela deveria tornar-se o pincel, não mais o papel. Nagiko recusa-se a princípio, mas logo fica tentada a experimentar escrever em seu próprio corpo.

Posteriormente, em sua casa, na banheira, meditativa, escreve no espelho embaçado: "Trate-me como a página de um livro". E pensa: "Agora serei também o pincel e não mais só o papel".
Quando terminou sua primeira escrita no corpo de um homem, ela chama pelo fotógrafo, Hoki. Ele acha melhor copiar o texto escrito e mandá-lo ao editor, que é o mesmo que foi amante do pai dela, que também está morando em Hong Kong. Ele recusa-se a aceitar o escrito. Ela procura pelo editor, determinada a executar o mesmo jogo de sedução, sem se identificar; mas sente repulsa ao chegar lá. Lá, vê Jerome saindo e percebe haver uma ligação erótica entre eles.

Porém, seus brios permanecem e ela não desiste. Resta-lhe então seduzir o amante do editor. Jerome aceita e dispõe-se a servir como mensageiro dela, levando para o editor o texto em seu corpo que Nagiko escrevera. O editor fica encantado com o corpo de Jerome e com o texto de Nagiko. Manda seus servidores copiarem o texto e em seguida vai para a cama com Jérôme.

Jérome não volta para Nagiko e esta sente ciúmes, o que a leva procurar outros homens para escrever em seus corpos e mandar ao editor. Fez assim 5 novos livros-corpos, o que provoca ciúmes de Jérôme. Ele por sua vez, foi se aconselhar com o fotógrafo Hoki, que sugere forjar um suicídio como em Romeu e Julieta. Para tanto, dá a Jérôme comprimidos a serem ingeridos.

Não dá para saber se foi ciúmes ou por acidente, o fotógrafo provoca seu envenenamento.

A estória termina no dia do 28º aniversário de Nagiko, data exata de 1000 anos de Sei Shonagon. Nagiko diz que agora pode escrever seu próprio "Livro de Cabeceira". Assim, repete com sua filha os gestos rituais como fazia seu pai com ela quando criança.
***

1 - Sei Shonogan (c.967 – c.1017) – dama de companhia da imperatriz Sadako. 'Sei' é o seu nome de família e 'Shonagon' significa pequeno conselheiro. Autora do Pillow Book (Makura no Soshi), considerada ma das maiores obras da história da literatura japonesa. Alguns excertos da obra, encontram-se no filme :

#29 – Coisas Elegantes

- Um casaco branco vestido por cima de um colete violeta
- Ovos de pata
- Gelo raspado misturado com calda de liana numa bandeja de prata
- Um rosário de cristal rocha
- Flores de glicínia. Flores de ameixeira cobertas pela neve
- Uma criança graciosa comendo morangos
(Shonogan, 1991:69) – Tradução da versão inglesa do texto original em japonês realizada pelo autor)